Escrita sobre camadas de rua


28 de fevereiro de 2018


Chego na rua, nesta por onde passo todos os dias, caderno e caneta na mão e me ponho a caminhar com todos os olhos abertos, aqueles de sempre e aqueles outros, ainda me impressiono com o tanto de mundo que deixamos de ver no dia-a-dia das tarefas a cumprir. Pois hoje vejo outro prédio atrás desse prédio aqui, e entre os dois aparece um enorme pedaço de céu azul. Vejo plantinhas miúdas e vejo muita marca de vida pelos chãos. Escolho um lugar para pousar - a mureta do prédio em frente – e penso na importância de ir a novos lugares não apenas para estar em novos lugares, mas para ver de outro ângulo. Para desgrudar de percepções que teimam em nos acompanhar. O olhar ampliado permite que o mundo se inscreva em nós. Se escreva em nós. Estou aqui mas estou com as outras. Raquel, Thais, Lidia, Ruth, imersas nas intensidades da Cinelândia ao meio-dia. Vamos insistindo nessa dança-escrita, que é dança escrita com as mãos no papel, com os pés no chão, com o corpo no mundo. Expansão é quando não se pode mais conter. Ruptura, rachadura, explosão. Romper para poder seguir e para seguir sendo.  A rua é silenciosa e hoje me parece misteriosa, guardando segredos que só entrando em outro tempo é que podemos saber. Dois passos para lá e saio da correnteza, do tempo urgente. A caneta hoje se move lenta, acordando preguiçosa, se espreguiçando e voltando a dançar. Um caminhão de mudanças, a moto que chega e já vai, a moça saindo com bagagem, as formigas que me escalam e me tornam parte do lugar. A respiração aos poucos sintoniza com o espaço, segue a dinâmica do que está sendo em volta. O chão parece se ampliar e convidar a estar. Logo mais virão as crianças e colheremos folhas, gravetos, cumprimentaremos os cachorros e nos espantaremos com pequenezas pelo caminho.









Tamara Rothstein

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