lampejos de rio e inverno -
ação dentro do festival pedras'17 // manual de estar- lisboa pt
programação intergalática_ conexão lisboa - rio de janeiro- são paulo -belo horizonte
por Thaís Chilinque
Um dia de acolhimento das
condições do tempo e das constelações. Começo a acompanhar o que se inaugura e continua;
pelas costas. As falanges tecem conversas cafeinadas; elas me atraem a
beirar outras experiências e contornos. O aroma de café e melancia vaza
orifícios em (de)cantamentos. Folhas e fios de cabelo também precipitam na
gravidade da terra. Está amamentando? Sigo com o caráter afirmativo das
perguntas. A luz do fim de tarde convida a habitar as ruas de laranjeiras. Lá
fora, a memória dos protestos ainda ecoa metálica em direção ao palácio dito
público. Um palácio com sombra de uma casa- herança desejada e prometida- num
inventário jamais concluído.
O viaduto
rompe a paisagem, com violência e intimidação, como os policiais que rondam as
praças e os corpos. Como sustentar um corpo diante do olhar mordaz? Explorando
entorno, foi ali que me encontrei. Sustentei. Paralisei. Quais eram mesmo as
perguntas? Como mantê-las em meio a tantas outras? Isso. Desejo tratar do gesto
colonizador; expor sua existência não apenas para questioná-lo. Como criar condições para criar outros gestos a
partir daquilo que é imperativo ao corpo? A praça está quase vazia. As
crianças, idosos, vagabundos, depressivos, plantas e cachorros resistem. Seria
uma armadilha visual? Quais existências para além das resistências? Parece que
as realidades e as perguntas se formam a depender do ângulo de incidência da
luz. Venho desejando afastar do clima polar das oposições. Mas como afirmar
posições, perguntas, sem se fechar numa lógica de captura? Inclino para
aproximar o chão.
Sou abraçada pela praça com nome
de poeta e me distraio numa ocupação quase triste, quase romântica. Acompanho
seres miúdos e imagino a grandeza de suas casas. Sim. São pequeninos, o que não
diz da qualidade e grandeza de que vive. Busco outros vestígios de
animal, de árvore, de gente, água, dança e escrita. Escorrego com o carvão.
Escapo pela vertical quando vejo um borrão na letra (i): “a inclinação contra(i)
meus desejos”. Será que as perguntas são as mesmas aqui? Estou a tatear
inclinações e cambalear entre troncos e sentidos. Essa dança se aproxima dos simbolistas? Afirmo rasgos do tempo e do espaço como escapes de guerra.
Tento permanecer em meio à rarefação. Os relevos das folhas estão caramelizados
no crepúsculo e na luz que já estala, veloz, entre os vãos do viaduto. Crescente
e perecível. Alimento escrita entre vestígios de tinhorão, chão, mãos e elos. Toco o olhar e danço delicadamente com Aline e
o véu de folhagens; ficamos marejando na suavidade do vento.
As digitais do
cão estão no papel. Vocês são arquitetas? O lápis parece suave demais para
determinadas superfícies. Como perceber a umidade mais próxima do chão? O negrume
do carvão ficou nos dedos e nas travessias. Há também rios por debaixo do
asfalto. Eles fluem e rompem; riscam em ritual. Os grafismos de ócio e vontade
escorrem pela praça como veios de afeto, delirando o dentro e o fora da praça,
reinventando lugares de subversão e marginalidade. Nos brinquedos, Aline,
Tamara, Bruna, Raquel e Lídia se revezam nos parangolés de ventania. Elas
desalinham as formigas sem bulir os vestígios por debaixo- um mover sustentável-
onde vento e chuva passam sem apagar presenças da terra. É preciso dosar a
umidade para se manter entre encontros, rios e sombras.
Naquele jardim, absorto... há uma sombra
encantada...
O jardim vai adormecendo...
Pelo bordo das alamedas
quedas
caladas, os tinhorões
opulentos, pintalgados,
os tinhorões
lembram pavões,
pavões estranhos... sonhando... narcotizados!...
E o crepúsculo vem, vagaroso, em véus vagos,
vagando...
As árvores de exóticas silhuetas
pretas,
as árvores derramam sobre as alamedas
quedas
caladas, longas sombras pasmas
de fantasmas...
E o jardim vai adormecendo, num crepúsculo...
As folhas têm síncopes, num estalido,
num longínquo
ruído
perdido...
as folhas secas, em parábolas, pelo ar!...
… parece
um surdo e plácido
plasplaciar
de sandálias
nas alamedas...
(Duque
Costa (1894-1977) / Parte do poema Reveria Poética de Inverno)
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