E se, delicadas ficções de uma escrita lado a lado no chão

4 de julho - corpos que escrevem sobre o chão. Programação do Festival Pedras'17, c.e.m, Lisboa.
programação intergalática - Lisboa- Rio- São Paulo- Belo Horizonte- Curitiba

Escrever na rua foi um exercício de delicadeza…
De suavidade, do tocar a superfície da pele,
do tatear, do encostar, do não saber, do não julgar, do intuir, do brincar, do estar lado a lado com a mulher do cachorro, com o balanço do parquinho, com o cheiro de maconha, com a ponta da caneta.


O respiro que escrever no chão, lado a lado - proximidade e distância- proporciona aos meus pulmões… o tempo outro que se força com rigor e suavidade.


Uma prática na sintonia daquilo que escapa ao olhar desatento, que ressoa esquiva como uma imagem subliminar, um vulto que se esgueira pelos olhos, um ato que reverbera em sonho, em lembrança, em sutil estado de presença.


A escrita despudorou o movimento, trouxe um gesto possível pro espaço praça, peso do próprio corpo contra o corpo da árvore, balanço que balança o peso do corpo que quer mais, bunda que senta em vários chão, costas que marcam o papel, sola do sapato que espalha os vestígios.


Quando os corpos que escrevem lado a lado no chão eles forjam um espaço heterotópico, um espaço em que as relações redefinem posicionamentos aparentemente irredutíveis e que parecem, só  parecem, absolutamente impossíveis de ser sobrepostos, mas não são... A heterotopia emerge na mistura do espaço público com o privado, na mistura do espaço próprio para a dança com o território de circulação da cidade, na transformação do chão inóspito da praça em um possível terreno de re-existência, de ressignificação da existência, de sentar e sentir lado a lado…



E se a praça for um oásis no meio do fluxo compulsório e ininterrupto.


E se os corpos que ali escrevem, escutam e movem declinarem o protagonismo do olhar e se tornarem translúcidos ao mundo? Corpo que deixa ver o mundo, que não reivindica o centro do olhar pra si, mas que deixa ver o mundo em si atravessado.


E se a dança deixar ver a rua, a praça, a cidade… e se a dança desobrigar o olhar de toda direção e o corpo de todo protagonismo e a palavra de toda ideia?


E se os carros desacelerassem até parar e as pessoas levantassem de seus escritórios e saíssem às ruas e cheirassem o ar e olhassem e re-parassem…

Escrever sobre as minhas minhas próprias pernas, sobre o balanço, onde a roda a bicicleta… sentindo essa calma árvore, essa calma raiz, essa calma noite.

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